A culpa é do futebol

Com as proibições de jogos em várias cidades do estado, o Campeonato Catarinense de futebol será mais uma vez paralisado. O futebol profissional durante a pandemia sempre foi questionado por parte da sociedade, por quem não acompanha e não sabe os protocolos que são seguidos pelos clubes, por quem sempre achou um “absurdo” acontecer uma partida de futebol enquanto o vírus se propagava e os leitos de UTI ficavam mais cheios dependendo da época do ano, mesmo após a ampliação de mais de 100% das vagas disponíveis.

Ao ver o anúncio de novas medidas de algumas prefeituras, entre elas a proibição dos jogos de futebol, em função do colapso do sistema saúde no estado, a maioria dos comentários está parabenizando a iniciativa. Oras, a culpa é do futebol, claro.

Porém, tem quem comente a favor em uma postagem sobre a paralisação do futebol (e tem todo direito de fazê-lo) e em outra postagem defenda a manifestação de donos de bares e restaurantes contra o lockdown aos finais de semana em SC. “As pessoas precisam trabalhar, a economia não pode parar, desse jeito vai gerar desemprego e fome”, eles dizem.

Eu tenho amigos donos de bares e restaurantes e sei que as dificuldades deles são enormes nessa pandemia, não estou aqui para julgar o segmento por lutar pela sua sobrevivência econômica. E muito menos por tentar manter os empregos. Tenho ainda mais amigos músicos que precisam dos bares abertos para tocar e sobreviver. Esses também estão sofrendo, e muito, vivendo à margem da sociedade julgadora das redes sociais.

Esse não é o ponto do texto e também não tenho conhecimento e formação suficientes pra dizer quais as medidas devem ser tomadas nesse momento para frear a propagação do vírus.

Voltando ao foco principal: sabe qual a diferença do jogador, de quem trabalha na comissão técnica, no administrativo, na cozinha, na manutenção, na loja, na comunicação de um clube de futebol médio/pequeno, para um garçom, um frentista de posto, um atendente de supermercado, um vendedor de roupas, ou qualquer outra profissão que você pode imaginar agora, nesse momento? NENHUMA. Todo mundo está no mesmo barco, remando para sobreviver em meio a uma pandemia de um ano.

Quem trabalha com futebol também é humano, também tem família, também “bota comida na mesa”. “Ah, mas o futebol não é serviço essencial”. Concordo 100%. Outras centenas de profissões também não são e estão funcionando normalmente. Os restaurantes e bares podem trabalhar com delivery, por exemplo, mas isso reduz muito o volume de vendas e também cortaria o emprego de quem faz o atendimento nas mesas. Na lógica de que o futebol não é essencial e tem que parar, essas pessoas também não são “essenciais”.

Quando se fala em Campeonato Catarinense, se fala em muito mais de mil empregos diretos. Mais de mil famílias que ajudam a movimentar a economia das cidades onde moram. Eu falo por mais de uma centena de colegas de imprensa que cobrem a competição também. Eles vivem do futebol, dos (poucos) patrocinadores que pagam pelo anúncio na cobertura esportiva, que só acontece, pasmem, quando tem jogo. Um jornalista esportivo também tem família, também “bota comida na mesa”, por incrível que pareça pra muita gente.

Não estou aqui para questionar ou criticar a proibição do futebol e outras atividades esportivas. No estado temos muitas equipes profissionais de vôlei, handebol, basquete, futsal, entre outras modalidades, que são mais afetadas pelas medidas restritivas que o próprio futebol profissional. Se é necessário parar a prática esportiva profissional em prol da saúde da população, não há o que contestar. O meu trabalho e de outras milhares de pessoas que estão no dia a dia do esporte, não é mais importante que a vida de alguém. Sou a favor do bom senso e da vida, sempre.

Porém, falando especificamente de Santa Catarina e do Marcílio Dias, algumas coisas precisam ser ditas. No dia 15 de março vai completar um ano que os clubes de futebol não colocam um torcedor dentro do estádio. Ao longo desse período, eles perderam 60% das suas receitas, fizeram cortes, mas mantiveram sua atividade principal, o “absurdo” futebol. O Marcílio Dias teve, ao longo desse período, um déficit de R$2 milhões, mas manteve mais de 60 empregos. Para finalizar o Catarinense sem mais dívidas, o clube precisa levantar mais R$300 mil em dois meses.

Os clubes de Santa Catarina estão falidos. Quebrados. Mas eles testam seus jogadores até duas vezes por semana, afastam os casos de covid, que felizmente, salvo raras exceções, não precisam de hospital para se recuperar e voltar aos campos após o isolamento. De fato, a saúde de um atleta profissional é de “ferro” e isso ajuda. Os clubes de futebol têm um médico acompanhando diariamente os profissionais. Eles cobram dos profissionais uma série de protocolos para evitar a contaminação pelo vírus. Mesmo assim surtos acontecem, porque a covid-19 é altamente infectuosa.

Que outro segmento ou empresa segue esse protocolo de testagem semanal, custeado por ela, para seus funcionários? Quantas empresas possuem um médico próprio acompanhando o dia a dia dos funcionários e afastando o mesmo ao primeiro sinal de sintomas?

Repetindo: os clubes não colocam um torcedor sequer nas suas arquibancadas há um ano. Não venderam um ingresso sequer em um ano, mas precisam da bola rolando para ter o mínimo de receita com patrocinadores, planos de sócio, vendas de cota de TV e streaming, e vendas de produtos oficiais. Sem jogo, não há receita alguma. Não há empregos.

Aqui perto, a 30 quilômetros de Itajaí, um parque temático enche uma arquibancada de gente aos finais de semana. Ao longo de 2020 e na temporada de verão. Independente dos protocolos seguidos no parque, os clubes sequer tiveram a opção de botar um torcedor nas suas arquibancadas, com qualquer que fosse o protocolo.

Qual arquibancada “ajudou” a propagar mais o vírus? A cheia ou a vazia? A analogia com o parque temático se deve pelo fato de lá haver uma arquibancada igual a de um estádio de futebol. Mas você pode trocar a arquibancada do parque por qualquer outro local que esteve cheio nesse último ano. Ou até mesmo comércios de ambiente fechado, não necessariamente lotados na mesma hora, mas com grande rotatividade de pessoas por dia. Ou então por aeroportos e aviões. Ou pelos ônibus de transporte público lotados diariamente.

“Ah, mas as pessoas precisam trabalhar, precisam do emprego, do transporte público”. Sim, as pessoas precisam e não as julgo por isso. Quem trabalha com futebol também precisa. O primeiro a parar sua atividade novamente será o futebol e os esportes coletivos. “Ótimo, é isso aí mesmo, é um absurdo ter futebol no meio da pandemia”, estão comentando. Será que alguém realmente acha que a culpa é do futebol ou só está preocupado que a próxima atividade a parar não seja a sua?

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